domingo, 15 de julho de 2012

As lições do modelo coreano de educação

José Paulo da Rosa
Zero Hora – José Paulo da Rosa, diretor regional do Senac-RS, atravessou o planeta para entender melhor o sucesso de um sistema escolar reconhecido no mundo todo.
Em novembro de 2009, ele percorreu salas de aula da Coreia do Sul, conversou com professores, observou o cenário com cuidado. No Brasil, repetiu o percurso de pesquisa em quatro colégios do Estado.
A comparação resultou numa tese de doutorado, defendida na Faculdade de Educação da PUCRS e focada em gestão escolar. Autor do livro Escolas e Qualidade, Rosa defende o ensino em tempo integral e a necessidade de mudar uma cultura brasileira que pouco valoriza a educação.
Cultura – Como surgiu o interesse pela Coreia e a decisão de fazer essa comparação entre quatro escolas daquele país e outras quatro do Rio Grande do Sul?
José Paulo da Rosa – No decorrer do mestrado e depois no doutorado, avaliando os resultados de diferentes países, chamou a atenção o fato de que a Coreia do Sul estava tendo em testes mundiais de qualidade, entre eles o Pisa, sempre os melhores resultados. Como minha tese era sobre os modelos de gestão em escolas onde os alunos têm bons resultados, me interessou fazer um comparativo. Também chama a atenção o fato de que a Coreia, em um determinado período da história, tinha resultados inferiores de PIB e de nível de educação dos alunos. E, depois de um tempo investindo em educação, conseguiu superar em muito o Brasil.
Cultura – Na sua tese, há comparações históricas entre o que acontecia no Brasil e na Coreia do Sul. Por exemplo: em 1968, ano do AI-5, a Coreia já aprovava uma carta nacional de educação.
José Paulo – Parece que existe uma cultura (no Brasil) de deixar as coisas, de “vamos ver se vai dar”, de não valorizar algumas coisas e fazer com que elas aconteçam. A Coreia ficou sob o domínio do Japão de 1910 a 1945. Então, quando assumiu o controle do país, no final da II Guerra, havia um movimento da sociedade querendo reassumir a sua cultura, a sua identidade, o que talvez tenha levado a essa priorização da educação de forma efetiva. No Brasil, o Ministério da Educação só foi desmembrado da Cultura em 1996. Os movimentos que tivemos, a partir da década de 90, de trazer mais crianças para a escola, que foram positivos, não vieram acompanhados de um movimento da qualidade, que, na Coreia, se observa desde 1950. O país quis efetivamente priorizar a educação, definiu um percentual do PIB para ser investido em educação. E o que impede o Brasil? Talvez a cultura do Brasil, talvez o fato de não ter vivido uma grande crise nos leva a este estado de “ir fazendo”, esperando talvez, um dia, ser o país do futuro.
Cultura – Há uma cultura brasileira de pouco valorizar a educação?
José Paulo – A cultura nacional ainda não valoriza a educação como deveria. As pessoas que têm mais poder aquisitivo investem em educação, há nichos, mas não há uma cultura nacional de valorização, porque isso deve ser um instrumento de política pública. O governo só vai fazer isso se a sociedade cobrar. Mas, como não existe essa cultura, temos essa dificuldade.
Cultura – Dos modelos coreanos que o senhor acompanhou, o que pode ser aplicado no Brasil?
José Paulo – Uma das práticas é a valorização da Educação Básica. A maior parte dos recursos, na Coreia do Sul, é aplicada ali. É claro que depois se evoluiu para a educação superior, mas no primeiro momento é a básica. Parece-me que essa é uma necessidade nacional. Encontrei, em algumas escolas da Coreia, doutores nas suas áreas de atuação trabalhando no Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Um deles, doutor em matemática, autor do livro utilizado em todas as escolas coreanas, encontrei trabalhando numa escola pública de Ensino Médio. “Por que o senhor não está na educação superior?”, perguntei. Ele respondeu: “Na Coreia, tenho incentivo para estar nesse nível, tenho tempo para pesquisa, tenho um bom salário e acho que tenho aqui melhores condições de preparar um excelente aluno, que depois vai crescer na educação superior”. Outra questão é que todas as escolas, públicas e privadas, são de turno integral, os alunos ficam manhã e tarde na escola, que apresenta condições para que o estudante permaneça lá esse tempo todo.
Cultura – Mas o ensino de tempo integral, por si só, não resolve tudo. O senhor acredita que ele deve ser uma prioridade no Brasil hoje?
José Paulo – Sim. A carga tributária da Coreia do Sul é inferior à brasileira, aquilo que o país arrecada em impostos é menos do que se cobra no Brasil. Mas é bem aplicado. Há condições de termos uma escola de turno integral, há condições de termos professores motivados, bem remunerados. Mas é preciso melhorar a gestão.
Cultura – Há ótimos exemplos por aqui, mas são iniciativas isoladas.
José Paulo – Acredito que essa seja a grande diferença entre Coreia e Brasil. Avaliei a gestão escolar em quatro escolas do Rio Grande do Sul que tiveram um bom desempenho no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e no Enem de 2009 e quatro escolas de bom desempenho na Coreia. A gestão escolar das gaúchas não é muito diferente daquelas da Coreia. O que muda lá é a cultura de valorização da gestão educacional em um nível maior, o sistema educacional nacional, que dá condições para que todas as escolas tenham bom resultado. Aqui, o bom resultado decorre muito do perfil do diretor da escola, individual.
Cultura – Algum exemplo concreto na Coreia lhe chamou atenção especial?
José Paulo – Profissionais extremamente qualificados atuando na Educação Básica. A questão da infraestrutura também chama a atenção, com laboratórios de ciências e de idiomas e ginásios esportivos. Esta realidade poucas escolas daqui encontram. E uma terceira questão que pode ser destacada é a participação da sociedade. Ir a uma sala de aula e perceber lá no fundo algumas pessoas, isso é comum por lá – são os pais. A família está presente na escola. No Brasil, temos dificuldade de chamar os pais para uma reunião. Existem críticas aos modelos asiáticos, que exigem demais. Por algum tempo, questionou-se inclusive o alto índice de suicídio das crianças coreanas porque elas eram muito cobradas. Um modelo nacional talvez tenha que buscar um meio-termo: escolas melhor estruturadas, mais tempo de permanência do aluno e um ambiente mais tranquilo.
Cultura – A Coreia aplica mesmo 10% do PIB em educação?
José Paulo – Quando eu estive lá, havia uma discussão sobre manter no orçamento esses 10%. O que se percebe é a boa gestão dos recursos, que permite que as escolas tenham excelente estrutura com equipe enxuta. Todas as escolas têm um conselho formado por membros da sociedade e pais de alunos obrigatoriamente sem vínculo partidário. Esse conselho é responsável por indicar o diretor e avalia sistematicamente o desempenho da escola. Se não está bom, pode trocar o diretor.
Cultura – A meritocracia ainda é um tabu nas escolas no Brasil?
José Paulo – É um assunto difícil, mas temos de superá-lo. Nada mais justo do que se avaliar o desempenho da escola. E encontrar estratégias para valorizar as que têm bom desempenho e para encontrar alternativas para as de baixo desempenho. Conseguimos fazer isso quando medimos o desempenho, e há uma resistência quanto a essa medição.
Cultura – As escolas que o senhor observou, aqui no Estado, têm uma característica ou um ponto em comum?
José Paulo – O que une essas quatro escolas é que, nelas, os alunos aprendem. E eles conseguem isso porque têm uma equipe de professores motivados. Em todas, os diretores conseguem, junto a seus professores, fazer um bom plano para o ano. Conseguem desenvolver bons projetos. Conseguem envolver a comunidade. Esse ambiente de envolvimento e a boa gestão do diretor com a equipe de professores permitem que nessas escolas os alunos tenham facilitado o seu aprendizado.
(Publicado originalmente no Caderno de Cultura da ZH em  14/7/2012 e  Concedida a Angela Ravazzolo)

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O polêmico Arthur Schopenhauer: "Os professores ensinam para ganhar dinheiro e não se esforçam pela sabedoria, mas pelo crédito que ganham dando a impressão de possuí-la. E os alunos não aprendem para ganhar conhecimento e se instruir, mas para poder tagarelar e para ganhar ares de importantes."

Em "A Arte de Escrever", Arthur Schopenhauer (1788-1860), autor de "O Mundo como Vontade e Representação", mostra que ainda é um autêntico professor.

Arthur Schopenhauer entrou para a história com a imagem de ranzinza
Arthur Schopenhauer entrou para a história com a imagem de ranzinza

Schopenhauer entrou para a história como o "filósofo do pessimismo", com uma imagem carrancuda de velho ranzinza, sem amigos, mal-amado e invejoso. Nascido em Dantzig, o filósofo era um misógino convicto e preferia os cães à companhia humana.
Quando lecionava na Universidade de Berlim, Schopenhauer encontrou Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), seu maior adversário. As palestras do maior representante do idealismo alemão eram as mais disputadas entre os alunos, fato que atraía inveja e provocava frustração no pensador. O rancor é explícito em alguns de seus textos.
Aos poucos, porém, suas teorias atraíram a atenção de uma nova geração de escritores e intelectuais. Ele exerceu grande influência em Friedrich Nietzsche, Sigmund Freud e Machado de Assis. Hoje, seus livros são mais vendidos que os de seu rival.
Leia um trecho do exemplar.
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Reprodução
Cinco ensaios de cunho metaliterário escritos por Schopenhauer
Cinco ensaios metaliterários escritos por Schopenhauer

Quando observamos a quantidade e a variedade dos estabelecimentos de ensino e de aprendizado, assim como o grande número de alunos e professores, é possível acreditar que a espécie humana dá muita importância à instrução e à verdade. Entretanto, nesse caso, as aparências também enganam. Os professores ensinam para ganhar dinheiro e não se esforçam pela sabedoria, mas pelo crédito que ganham dando a impressão de possuí-la. E os alunos não aprendem para ganhar conhecimento e se instruir, mas para poder tagarelar e para ganhar ares de importantes. A cada trinta anos, desponta no mundo uma nova geração, pessoas que não sabem nada e agora devoram os resultados do saber humano acumulado durante milênios, de modo sumário e apressado, depois querem ser mais espertas do que todo o passado. É com esse objetivo que tal geração freqüenta a universidade e se aferra aos livros, sempre aos mais recentes, os de sua época e próprios para sua idade. Só o que é breve e novo! Assim como é nova a geração, que logo passa a emitir seus juízos. - Quanto aos estudos feitos simplesmente para ganhar o pão de cada dia, nem os levei em conta.
Em geral, estudantes e estudiosos de todos os tipos e de qualquer idade têm em mira apenas a informação, não a instrução. Sua honra é baseada no fato de terem informações sobre tudo, sobre todas as pedras, ou plantas, ou batalhas, ou experiências, sobre o resumo e o conjunto de todos os livros. Não ocorre a eles que a informação é um mero meio para a instrução, tendo pouco ou nenhum valor por si mesma, no entanto é essa maneira de pensar que caracteriza uma cabeça filosófica. Diante da imponente erudição de tais sabichões, às vezes digo para mim mesmo: Ah, essa pessoa deve ter pensado muito pouco para poder ter lido tanto! Até mesmo quando se relata, a respeito de Plínio, o Velho, que ele lia sem parar ou mandava que lessem para ele, seja à mesa, em viagens ou no banheiro, sinto a necessidade de me perguntar se o homem tinha tanta falta de pensamentos próprios que era preciso um afluxo contínuo de pensamentos alheios, como é preciso dar a quem sofre de tuberculose um caldo para manter sua vida. E nem a sua credulidade sem critérios, nem o seu estilo de coletânea, extremamente repugnante, difícil de entender e sem desenvolvimento contribuem para me dar um alto conceito do pensamento próprio desse escritor.
Assim como as atividades de ler e aprender, quando em excesso, são prejudiciais ao pensamento próprio, as de escrever e ensinar em demasia também desacostumam os homens da clareza e profundidade do saber e da compreensão, uma vez que não lhes sobra tempo para obtê-los. Com isso, quando expõe alguma idéia, a pessoa precisa preencher com palavras e frases as lacunas de clareza em seu conhecimento. É isso, e não a aridez do assunto, que torna a maioria dos livros tão incrivelmente entediante. Pois, como podemos supor, um bom cozinheiro pode dar gosto até a uma velha sola de sapato; da mesma maneira, um bom escritor pode tornar interessante mesmo o assunto mais árido.
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"A Arte de Escrever"
Autor: Arthur Schopenhauer